Um levantamento baseado no cruzamento de dados oficiais do governo federal aponta que ao menos 220 pessoas podem ter recebido doses vencidas da vacina AstraZeneca contra a Covid-19, em Mato Grosso do Sul. O trabalho dos pesquisadores Sabine Righetti, da Unicamp, e Estêvão Gamba, da Unifesp, foi publicado nesta sexta-feira (2) pelo jornal "Folha de S. Paulo".
Os dados, aos quais o G1 também teve acesso, indicam que o problema ocorreu com doses de oito lotes da vacina (veja tabela abaixo), porém em Mato Grosso do Sul, possivelmente, há inconsistência em três lotes.
Prefeituras de cidades de Mato Grosso do Sul citadas negam o problema e atribuem o achado do levantamento a uma falha dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).
O Ministério da Saúde disse que todas as doses são enviadas dentro do prazo e que, caso aplicações fora do período ocorram, é preciso passar por uma nova aplicação "respeitando um intervalo de 28 dias entre as doses".
Lotes de vacinas aplicadas após o vencimento em Mato Grosso do Sul
Lotes | Validade | Distribuição | Doses aplicadas após validade |
4120Z005 | 14/04/2021 | 22/01/2021 | 186 |
CTMAV505 | 31/05/2021 | 24/03/2021 | 28 |
4120Z025 | 04/06/2021 | 24/02/2021 | 6 |
Cidades de MS que aplicaram, possivelmente, as doses vencidas
Cidades | Quantidade de vacinas |
Sonora | 68 |
Rio Verde de Mato Grosso | 36 |
Sete Quedas | 30 |
Santa Rita do Pardo | 20 |
Nova Alvorada do Sul | 12 |
Campo Grande | 9 |
Dourados | 8 |
Inocência | 6 |
Itaporã | 5 |
Amambai | 3 |
Ponta Porã | 3 |
Tacuru | 3 |
Três Lagoas | 3 |
Mundo Novo | 2 |
Sidrolândia | 2 |
Bataguassu | 1 |
Brasilândia | 1 |
Caracol | 1 |
Costa Rica | 1 |
Coxim | 1 |
Itaquiraí | 1 |
Jardim | 1 |
Naviraí | 1 |
Paranaíba | 1 |
Vicentina | 1 |
De acordo com o levantamento, no país foram aplicadas 25.935 doses fora do prazo em pelo menos 1.532 cidades.
O Ministério da Saúde diz que "caso alguma vacina seja administrada após o vencimento, essa dose não deverá ser considerada válida, sendo recomendado um novo ciclo vacinal, respeitando um intervalo de 28 dias entre as doses". Além disso, ainda segundo a pasta, "o vacinado deverá ser acompanhado pela Secretaria de Saúde local".
De acordo com Sabine Righetti, uma das autoras do levantamento, as informações são do DataSUs e da Sala de Apoio à Gestão Estratégica (SAGE). A equipe analisou a data de vencimento dos lotes de vacina que ainda estavam sendo ministrados no Brasil.
Primeiro, foram encontrados 8 lotes da AstraZeneca que já venceram. Depois, esse dados foram cruzados com as datas de aplicação informadas. Ainda, de acordo com a pesquisadora e jornalista, esses são os únicos lotes que já passaram da validade no país.
A secretaria estadual de Saúde (SES) informou, em nota, que "todas as vacinas aplicadas em Mato Grosso do Sul foram dentro do prazo de validade". De acordo com a pasta, o sistema do SUS onde são lançados os dados da vacinação "computa a dose pela data de lançamento no sistema e não pela data de aplicação".
"Alguns municípios não alimentaram o SI-PNI desde o inicio realizando o lançamento posterior, com isso ficou no sistema a data de lançamento no sistema, como se fosse a data de aplicação. Também foi relatado por municípios oscilação do Sistema do SI-PNI, não sendo possível o lançamento no sistema na data da aplicação. Todas as doses foram aplicadas dentro da validade das doses", reiteram.
O G1, juntamente com a equipe da TV Morena, tentou contato com todas as secretarias de Saúde dos municípios de Mato Grosso do Sul citados no estudo. Seguem os posicionamentos:
No estudo, Sonora aparece como a cidade que mais aplicou doses vencidas. A secretaria de Saúde do município disse que as vacinas saíram de Campo Grande no dia 24 de Janeiro deste ano, dia 25 na cidade e foram aplicadas em 26 de janeiro. Ainda disseram que não há possibilidade de haver aplicação fora do prazo.
O secretário de Saúde de Rio Verde de Mato Grosso disse que todas as doses são conferidas antes da aplicação, então acredita não houve a imunização com doses vencidas. Em Tacuru, o secretário de saúde do município disse que irá apurar a aplicação de doses vencidas ou apenas a divergência no sistema do SUS.
As pastas destinadas aos cuidados das vacinações contra Covid em Santa Rita do Pardo e Nova Alvorada do Sul foram categóricas ao dizer que não houve aplicações de imunizantes vencidos e que o problema pode ter sido no sistema do SUS, que computa os dados.
Em Dourados, o secretário adjunto de saúde, Edvan Marcelo Moraes Marques, disse que o problema estava no lançamento das vacinas e "que no sistema aparece a data que o município fez o lançamento e que seria o próprio sistema quem deveria arrumar". Disse que não aplicou nenhuma dose vencida da vacina contra a Covid, em moradores do município.
Na cidade de Inocência, os responsáveis pela vacinação não atenderam as ligações. Já em Itaporã, a secretaria de Saúde disse desconhecer o fato, mas que irá verificar no setor de imunização se houve algum erro de digitação.
As secretarias municipais de Saúde de Sete Quedas, Mundo Novo, Ponta Porã e Costa Rica não atenderam as ligações ou não responderam aos questionamentos do G1.
Por meio de nota, a secretaria de Saúde de Campo Grande expressou que não foi utilizada nenhuma dose de vacinas fora do prazo de validade no município. O órgão disse que "há uma divergência em relação ao sistema do Ministério da Saúde, que considera a data de lançamento e não da aplicação propriamente dita".
A secretaria de saúde de Amambai diz ter recebido com surpresa a informação e que está apurando os fatos. Já a secretaria de Saúde de Três Lagoas não atendeu as ligações.
As secretarias de Saúde de Bataguassu e Brasilândia disseram que não houve aplicação de vacina vencida e que os lotes recebidos pela SES são verificados para garantir as validades.
A coordenadoria de atenção primária de Sidrolândia disse que recebeu a informação no início da tarde desta sexta-feira (2), entretanto já estão apurando o fato. O órgão responsável pela atenção às vacinas, em Coxim, pontuou que no município aconteceu o preenchimento de dados no sistema do SUS de forma tardia, o que pode ter acarretado a inconsistência.
As secretarias de Saúde de Caracol, Jardim, Paranaíba e Vicentina desconhecem a informação de possíveis aplicações de vacinas vencidas em moradores das cidades. Os secretários de Saúde de Itaquirai e Naviraí não atenderam as ligações do G1.