Com o governo do presidente interino Michel Temer mais alinhado ideologicamente com o de Mauricio Macri, Brasil e Argentina criaram ontem (23) um "mecanismo de coordenação política" entre os dois países.
O conselho será comandado pelos secretários-gerais dos Ministérios de Relações Exteriores e deverá coordenar a posição dos países em assuntos estratégicos, como defesa, comércio, energia, ciência e indústria aeronáutica.
Deverá haver reuniões pelo menos duas vezes por ano, sendo que uma das vezes deverá ocorrer antes da Assembleia Geral da ONU, garantindo que os vizinhos cheguem com posições semelhantes ao encontro.
"Isso vai implicar em reuniões dos ministros para tratar de políticas principalmente no âmbito das Américas, do Mercosul e mesmo da relação [da região] com o resto do mundo", afirmou o ministro José Serra em Buenos Aires.
Em entrevista coletiva, ele voltou a defender uma política externa sem partidarismo a afirmou que poderia visitar países com governos de esquerda, como o Equador e a própria Venezuela.
"Não está programado, mas não excluo a possibilidade. Nós lidamos com países, não com partidos. Outro dia, me ligou o Ernesto Samper [ex-presidente da Colômbia que questionou o processo de impeachment] e conversamos por telefone."
De acordo com o chanceler, a situação política da Venezuela foi tratada na reunião com sua contraparte, Susana Malcorra, apenas por ser "um fator relevante para a América Latina hoje". Medidas futuras, como uma suspensão no Mercosul, não foram discutidas.
MERCOSUL
Sobre a flexibilização comercial do Mercosul, Serra disse que a estratégia será criar mecanismos que permitam acordos bilaterais entre um membro do bloco e um terceiro país. O modo como isso será feito ainda não foi definido, mas a ideia, afirmou, foi bem recebida pelo governo de Macri.
O presidente recebeu o chanceler na Casa Rosada. A reunião foi tratada como "visita de cortesia".
O governo Macri, apesar de ter reconhecido rapidamente Michel Temer como presidente, tomou alguns cuidados durante a visita de Serra.
Quebrando um costume instaurado em dezembro do ano passado, quando Macri assumiu, não houve entrevista coletiva da chanceler argentina ao lado do seu par visitante.
A ministra argentina, porém, falou com jornalistas na Casa Rosada -após sua reunião com Serra- para tratar de sua candidatura à secretaria-geral da ONU. Acabou sendo questionada sobre a visita do brasileiro e disse que "existe um novo chanceler e que sem dúvida é preciso trabalhar com ele."
APITOS
A entrevista de Serra foi concedida na casa do embaixador Everton Vieira Vargas sob o barulho de apitos de manifestantes que estavam do lado de fora.
Desde que chegou à Argentina, na noite de domingo (22), até o momento que deixou o país, na noite de segunda (23), o chanceler foi acompanhado por brasileiros contrários ao governo do presidente interino Michel Temer.
Para entrar e sair do palácio San Martín, sede da chancelaria argentina, ele precisou de portas laterais e utilizou um esquema para despistar os manifestantes, com carros saindo por diferentes portões no mesmo momento. O chanceler, no entanto, disse que os protestos não tinham "nenhum significado".
Antes de deixar a capital argentina, Serra passou na livraria El Ateneo, onde também foi seguido por brasileiros.
Os ativistas contaram com a ajuda de agrupações políticas argentinas de esquerda, como a La Campora, liderada por Máximo Kirchner, filho da ex-presidente Cristina. Com instrumentos musicais, os argentinos, porém, estavam apáticos.
